Por Selene Fartolino
Segundo o Dicionário Michaelis, a palavra paridade é um substantivo feminino que significa “qualidade ou característica do que é par; igualdade” esta última conquistada pelas mulheres a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, após um longo período de redemocratização do Brasil com o fim da ditadura militar, garantindo, pelo menos em tese, a homens e mulheres, os mesmos deveres e direitos.
Como se sabe, a luta das mulheres pela igualdade de direitos não começa a partir da Constituição de 1988, mas aproximadamente 50 anos antes, com uma das principais conquistas do movimento feminista: o sufrágio feminino, a partir do Decreto nº 21.076 de 24 de fevereiro de 1932, intensificando-se no Brasil, as discussões e reinvindicações em favor das mulheres, especificamente a emancipação feminina, a ampliação de direitos sociais, e principalmente discussões com relação à educação e ocupação de postos de trabalho antes ocupados somente por homens.
Muitas mulheres que lutam pela igualde de direitos, precisam enfrentar diariamente o preconceito, a violência em todas as suas formas, a desigualdade salarial, o machismo dentro e fora de casa, o racismo, a misoginia, a pobreza, entre outros, o que as coloca em situação não só de vulnerabilidade, mas de disparidade num meio ainda dominado por homens com forte tendência machista, impondo-lhe obstáculos que as impede de ascender profissionalmente.
Apesar de todos estes desafios o que se verifica no Brasil e no mundo de maneira geral, é um crescimento, mesmo que inexpressivo da quantidade de mulheres dispostas a ingressar na carreira política como representantes do povo ou disputando altos cargos em empresas privadas e instituições públicas.
Embora a tão sonhada igualdade ou paridade entre homens e mulheres avance a passos lentos, não se pode deixar de reconhecer o protagonismo que muitas mulheres vêm alcançando no âmbito jurídico, o que denota uma tendência, ainda que incipiente, de ruptura de paradigma até vigente no meio jurídico, caracterizado sobremodo pela presença dominante da figura masculina.
Talvez o maior desafio das instituições jurídicas, esteja na resistência do reconhecimento e da importância e necessidade da participação e protagonismo das mulheres de carreiras jurídicas, o que sem dúvida promoveria um ambiente diverso e plural.
É evidente que este movimento pela busca de maior participação nas esferas de poder das instituições não pode ser reduzida ou limitada a uma simples ocupação desses espaços, ao contrario, esta participação deve ser preponderante para influenciar efetivamente nas decisões institucionais voltadas à valorização e inclusão de mais mulheres em todos os outros espaços onde ainda se verifica baixa participação feminina.
Instituições que zelam pela Constituição e pelo Estado Democrático de Direito e que prezam pela igualdade entre homens e mulheres, a exemplo das diversas cortes de justiça no pais atestam a baixa representatividade nos altos cargos. Segundo um levantamento realizado pelo portal Migalhas. “Em um recorte de 61 tribunais – sendo eles os Superiores, Federais, Estaduais e do Trabalho -, apenas 18 destes são presididos por mulheres. Das cinco Cortes superiores, apenas o TST é presidido por uma mulher: a ministra Maria Cristina Peduzzi”.
A baixa representatividade fermina também é evidente no Ministério Público e no Conselho Nacional do Ministério Público – NNMP, segundo levantamento deste ultimo: “Desde a Constituição de 1988, os cargos de procurador-geral foram ocupados por mulheres apenas em 15% dos mandatos. No caso específico do CNMP, tivemos apenas 13% de conselheiras desde 2004, sendo fundamental ressaltar que, na atual composição, não há nenhuma mulher”.
Este cenário também esta presente na advocacia representada pela Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, entretanto, é possível ver que, um ambiente de fortalecimento e mudanças vem sendo criado dentro do Conselho Federal e nas próprias Seccionais para a ocupação de mulheres advogadas nos cargos de direção e presidência.
Mas este fortalecimento só é possível hoje, graças à luta de muitas mulheres advogadas que durante anos reivindicaram a paridade na OAB. Assim, após debates exaustivos em todas as Seccionais, em 01 de dezembro de 2020, após apreciação pelo Conselho de presidentes, deliberou-se pela aprovação do Projeto Paridade, o que gerou a alteração do art. 131, do Estatuto dos Advogados – Lei nº 8.906 de 04 de julho de 1994, que determina que, nas eleições para escolha de novas Diretorias, só serão admitidas chapas completas com 50% de participação feminina, aplicado nas eleições de 2021.
Num feito histórico, o Conselho Federal da OAB conta a partir de janeiro de 2022, na sua composição paritária com a participação de 81 conselheiras entre titulares e suplentes, já o colégio de presidentes contará com cinco mulheres em sua composição.
Já nas 27 Seccionais em todo o pais, somente cinco mulheres ocuparão as presidências de cinco Seccionais da OAB no triênio 2022/2024, o que ironicamente parece ser uma disparidade, se considerarmos o fato de que o número de advogadas em todo o Brasil é maior que o de advogados (624.285 e 615.989 respectivamente), segundo a última atualização apresentada pela revista eletrônica Migalhas no inicio de 2022.
A primeira explicação para o resultado das eleições com pouquíssimas advogadas eleitas para estarem à frente da presidência das cinco seccionais, pode estar no fato de que, apenas 23 mulheres se candidataram ao cargo, ao passo que 59 homens entraram no pleito, sendo que, em 11 estados, entre eles o Acre, sequer houve candidaturas femininas para disputar a presidência das respectivas seccionais.
A segunda explicação pode estar no fato de que, mesmo o eleitorado sendo majoritariamente feminino, poucas mulheres conseguem se ver representadas por outras mulheres, pelos mais variados motivos, entre eles, o fato de muitas desconhecerem as lutas pelas pautas femininas e a importância da representatividade e paridade nos espaços de poder, dificultando os avanços pela igualdade de gênero.
Outra causa pode estar relacionada à complexa construção cultural de homens e mulheres ao longo dos séculos, principalmente em países de terceiro mundo, e que ainda permanecem latentes apesar dos avanços sociais, o que se traduz, especificamente com relação às mulheres, no fato de que algumas delas sequer acreditam que mulheres possam ou devam exercer funções ou tarefas que supõem ser exclusivamente masculinas.
Este fato é relevante e não se aplica especificamente ao resultado das últimas eleições da OAB, mas a todas as situações em que a mulher, por razões de gênero, é vitima do preconceito e discriminação.
Estas (pré) concepções estão relacionadas muitas vezes à origem familiar, classe social ou até mesmo a forte influencia de religiosidade no pensamento feminino de algumas, e embora o presente debate não gire em torno destas questões, não se pode deixar de ressaltar que desde o movimento feminista, o objetivo do mesmo, além da igualdade de gênero, é descontruir e desmistificar o preconceito com relação à capacidade, força e poder que as mulheres têm, e que encontra em alguns dogmas seu principal antagonista.
Num Estado democrático de direito, onde prevaleça a dignidade da pessoa humana, a pluralidade, a democracia e o respeito da igualdade da pessoa humana, não podem coexistir pensamentos e teorias ultrapassadas que delimitem o papel que cada gênero deve desempenhar na sociedade, e que relegue às mulheres uma posição de inferioridade ou submissão, tornando-as desta forma incapazes de exercer ou ocupar os mesmos espaços ocupados por homens.
Apesar das conquistas (mesmo inexpressivas) das mulheres, especificamente no âmbito jurídico, é importante manter o debate sobre o assunto, principalmente por parte das Instituições que promovem a efetividade das leis e defesa da Constituição, uma vez que, a igualdade de gêneros é quiçá o maior instrumento de efetivação da Democracia num pais.
Sociedades que não respeitam os seus homens e mulheres efetivando a igualdade entre eles estão fadados ao atraso ou retrocesso, fomentando direta ou indiretamente a desigualdade, a violência e a desvalorização das mulheres.
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Selene Fartolino é advogada, pós-graduada em Direto Público e em Direito Processual Civil, mestranda em Direito, membra da Escola Superior de Advocacia do Acre e presidente da Comissão de Ensino Jurídico da OAB/AC.