Eu sei, Eduardo Couture, que no quarto mandamento do advogado você me exortou a lutar pelo Direito, e quando houvesse conflito entre este e a Justiça, lutar pela Justiça. Sim, Sobral Pinto, a advocacia não é profissão para covardes, eu lembro disso todos os dias.
Está um pouco difícil lutar, está cansativo, e, muitas vezes, questiono se sou corajoso o suficiente para continuar a trilhar os caminhos da advocacia. Quando eu penso que nada mais pode me abalar, eis que surge uma novidade em detrimento da advocacia.
Quarta (20/4) pela manhã, enquanto aguardava audiência de instrução em uma Vara de Família (o que por si só já é motivo de tensão), recebo notícia, em um grupo do aplicativo de mensagens WhatsApp, que o ministro Alexandre de Moraes, do STF, determinou a aplicação de multa de R$ 10 mil ao advogado Paulo César Faria, em razão de ter elaborado supostos recursos protelatórios em favor do deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ).
E é claro que respeito o ministro Alexandre de Moraes, que foi fundamental na minha vida acadêmica, nos estudos de Direito Constitucional. E não, não gosto do referido deputado. Mas embora dele não goste, como advogado devo prezar pelos seus direitos, dentre eles o de ter uma defesa técnica que utilize de todos os recursos disponíveis no ordenamento jurídico. A propósito, já manifestei aqui mesmo na ConJur que a sua prisão em flagrante, em minha opinião, foi ilegal.
Mas o que foi noticiado trata-se de um precedente perigosíssimo para a advocacia. Como se pode admitir que o advogado, no exercício de seu mister, ao elaborar recursos (no caso, embargos de declaração) em favor de seu constituído, possa ser punido com multa?
O advogado, repito sempre, jamais pode ser confundido com o seu cliente. Daniel Silveira, que no momento da confecção deste artigo está sendo condenado pelo Supremo Tribunal Federal a uma pena de oito anos e nove meses de prisão, pela maioria dos ministros, é uma figura pública execrável (tirando quem o elegeu, acredito que é praticamente unanimidade esse pensamento).
Mas o que o advogado tem a ver com isso, meu Deus do céu?
A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) reza que os países signatários se comprometem a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social.
E não há qualquer dúvida que o advogado é indispensável para a defesa e garantia desses direitos perante o Estado. Trocando em miúdos: advogue para Gandhi ou advogue para Daniel Silveira, o causídico precisa ter a liberdade para lançar mão de todas as armas possíveis na salvaguarda dos direitos de seus constituintes.
A decisão do ministro Alexandre de Moraes atenta contra a liberdade profissional do advogado e desconsidera a sua indispensabilidade para a administração da justiça.
De igual modo, despreza o fato de que em seu ministério privado o advogado presta serviço público e exerce função social, e que ao postular decisão favorável ao seu constituinte, ao convencimento do julgador, seus atos constituem múnus público.
O ministro Alexandre de Moraes olvida que no exercício da profissão o advogado é inviolável por seus atos e manifestações!
Com a devida vênia, sua decisão constitui em aberração, teratologia, e espero que ele a reconsidere, ou que o Plenário do Supremo Tribunal Federal a reforme.
O advogado não pode exercer o seu mister com temor de que ao manejar determinado instrumento a favor de seu cliente venha a ser multado, punido, sancionado.
O advogado deve atuar com altivez, firmeza, e o Poder Judiciário, sobretudo o Supremo Tribunal Federal, deve ser o guardião de seus direitos e prerrogativas, para que haja plena liberdade profissional.
A persistir a decisão do ministro Alexandre de Moraes, e, pior, se ela for replicada nas demais jurisdições, a advocacia será sobremaneira prejudicada. Não se pode calar a voz da advocacia. Sem voz, a advocacia não é nada. Sem advocacia, sem justiça.
E sem justiça, caos.
Thalles Vinícius Sales é secretário-geral da OAB-AC e membro da Comissão Nacional de Defesa das Prerrogativas e Valorização da Advocacia do Conselho Federal da OAB (2022/2025).